Nos próximos dias, um colégio de cardeais se reunirá no Vaticano para tomar uma das decisões mais importantes da longa história da Igreja Católica. Afinal, caminhará a Igreja no rumo proposto por Francisco ou dará uma guinada ao conservadorismo de João Paulo II?
Os conservadores do mundo católico tentam influenciar a decisão do Colégio de Cardeais, buscando impulsionar a Igreja na direção oposta ao pontificado atual — com movimentos apoiados, inclusive, por figuras como Donald Trump.
Francisco surpreendeu um mundo que ainda vivia sob a forte influência de João Paulo II, um papa conservador e tradicionalista. Após a breve passagem de Bento XVI, chegou-se a um pontífice de perfil diametralmente oposto ao de seu pré-antecessor polonês.
Para entender essa trajetória, é preciso analisar os últimos acontecimentos e escândalos que atingiram o alto clero durante o papado de Joseph Ratzinger, que renunciou em 2013, e como seu processo de transição culminou na eleição de Jorge Mario Bergoglio, o arcebispo de Buenos Aires, como Papa Francisco.
O filme Os Dois Papas retrata esse episódio com bastante exatidão, explicando por que um líder da ala mais progressista da Igreja, vindo de um país distante do eixo central do catolicismo, foi chamado para resgatar os valores morais da instituição, abalada pelos escândalos sexuais que atingiram sua cúpula.
Seus desafios não foram pequenos, mas ele soube cumprir a missão tanto no campo espiritual — onde se destacou — quanto nas questões externas ligadas à Igreja. Reposicionou-a diante do mundo, colocando Jesus e sua humanidade no centro da pregação, redesenhando uma instituição mais próxima dos pobres e capaz de dialogar com outras religiões e com as contradições político-sociais de nosso tempo. Nesse esforço, o Papa abriu a Igreja às minorias, aos povos originários, aos homossexuais, aos jovens e às mães solteiras, que passaram a receber a bênção.
Na contramão de seu projeto, o mundo testemunha a ascensão de correntes políticas conservadoras e neoconservadoras. Parte do cristianismo — seja no catolicismo ou entre evangélicos — adota discursos marcados pelo pentecostalismo, distanciando-se dos ensinamentos de Cristo para buscar inspiração em passagens do Antigo Testamento que evocam um Deus punitivo, guerras e preconceitos contra imigrantes, homossexuais, mães solteiras e outros grupos.
Tais questões são centrais à missão que a Igreja Católica, como líder do cristianismo, propõe-se a cumprir. Isso também explica por que Francisco segue tão atacado por conservadores. Em suas doutrinas, escritas em quatro encíclicas — Lumen Fidei (2013), Laudato Si’ (2015), Fratelli Tutti (2020) e Dilexit Nos (2024) —, com exceção da primeira, escrita em colaboração com Bento XVI e que aborda temas internos, as demais tratam de ecologia integral (Laudato Si’), fraternidade universal (Fratelli Tutti) e o amor do Sagrado Coração de Jesus (Dilexit Nos). Todas convergem para uma proposta de Igreja mais apegada aos valores trazidos por Jesus: o perdão, a paz, a luz, a fraternidade e a valorização do humanismo — manifestada, por exemplo, em sua coragem de assumir apoio ao povo palestino, envolvendo-se pessoalmente na condenação ao genocídio promovido por Israel.
Este é o cenário das disputas que agora ocorrem nos bastidores do Vaticano. Muitas promessas de fumaça preta até surgir a fumaça branca. Tempo para a Igreja refletir e decidir não o futuro do mundo, mas seu próprio futuro no mundo.
Gerson Marques
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