Quando se escreve o que incomoda as vísceras, é difícil ladrilhar caminhos com palavras apenas pelo simples ato/tarefa de escrever. Se para o rigor acadêmico escrever é tão somente exercício, para mim, autointitulado PRETO DE PALAVRAS, escrever é inspiração e transpiração.
Por isso, dado minha biografia afetiva e aos papéis sociais que até aqui assumi: escrever é ser servo das palavras engajadas! Palavras que, quando ditas por meio dos códigos da linguagem escrita, traduzem meu olhar do mundo e de ser no mundo.
Dito isso, a despeito dos dissabores pessoais/familiares que andam interditando meu “ser cronista”, decidi romper um pouco com esse hiato de tempo sem ladrilhar caminhos de palavras, para falar desse 20 de novembro, data sentenciada pela luta do Movimento Negro Contemporâneo, como “Dia da Consciência Negra”. Data alusiva à morte do herói Negro Zumbi dos Palmares, que, como tantos outros negros e negras desse país, jamais se curvou ao racismo que ainda hoje pauta nossas relações sociais.
Me coloco ao lado de tantos outros negros e negras que refutam a tese de que o Brasil é uma democracia racial, um exemplo de território onde imperam relações harmoniosas entre agrupamentos raciais distintos. País onde as assimetrias socioeconômicas estão estritamente relacionadas ao mérito e nunca às interdições derivadas de classificações raciais. Não é razoável falar em democracia racial num país onde a miséria tem cor, e o genocídio da população negra, patrocinado pelo estado, está aí para qualquer um ver, principalmente os que se beneficiam do “Pacto da Branquitude”, ou seja, de um conjunto de códigos e narrativas que superestimam o branco através da subestimação do negro.
Contra isso resistimos! Fizemos e fazemos contrapontos. O racismo tentou, mas seguimos aquilombados, mesmo que alguns de nós tenham sido levados a odiar seus iguais. Se a “branquitude” criou o negro para desumanizá-lo, o negro criou a “negritude” para reafirmar sua humanidade.
A negritude impediu que esquecêssemos que descendemos de povos inventivos, criadores de exuberantes civilizações. Aquilombados, exigimos que a sociedade brasileira reconheça a mentira da democracia racial. O Brasil nunca foi um território de relações inter-raciais harmoniosas. Pela democracia racial, o abismo socioeconômico que separa negros, índios e brancos tem que ver com vários motivos, à exceção do racismo, afinal aqui nunca teve Apartheid! Contudo, nossas conquistas não vieram e virão gratuitamente. Da fundação da Frente Negra Brasileira (1931) à Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida (1995), superamos muitas adversidades advindas do racismo, mas nossa estrutura social resiste racista.
O racismo, longe de ser “reverso” - pois brancos não são interditados por serem brancos -, subsiste enquanto herança maldita da escravidão. Daí, enquanto racismo e racistas existirem, a despeito dos custos que tivermos de assumir, devemos oferecer resistência.
O racismo é excludente em qualquer circunstância, e superá-lo será difícil, pois há aqueles(as) que se beneficiam dele. Enfim, na minha consciência de homem negro antirracista, existe um futuro Preto, pois Jesus era Preto, Exu é caminho e jamais devemos esquecer que nem todo Messias é Messias de todos. Axé!
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