Em meio ao aumento dos preços dos alimentos e à pressão popular por medidas concretas, o presidente Lula (PT) surpreendeu ao sugerir, em entrevista a rádios baianas nesta quinta-feira (6), que o controle da inflação depende, sobretudo, da capacidade do povo de "não comprar" produtos considerados caros. A declaração, que ecoa um discurso de responsabilização individual em meio a uma crise coletiva, levanta questões sobre a eficácia (e a justiça) de transferir aos cidadãos o ônus de combater a carestia.
"Deixar na prateleira": A Utopia do Boicote como Política Pública
Lula argumenta que, se os consumidores evitarem produtos com preços abusivos, o mercado será forçado a reduzir valores para evitar perdas. "Se todo mundo tivesse a consciência e não comprasse aquilo que acha caro, quem está vendendo vai ter que baixar para vender", afirmou. Sob uma perspectiva superficial, a ideia parece lógica: a lei da oferta e demanda, afinal, é um princípio básico da economia.
O problema reside na simplificação de um cenário complexo. Como esperar que famílias, especialmente as mais pobres, adiem a compra de alimentos essenciais ou substituam produtos básicos por "similares" mais baratos? Arroz, feijão e carne não são itens supérfluos, e a inflação atinge justamente quem não tem margem para escolher "comprar amanhã". A fala presidencial, ainda que bem-intencionada, desconsidera a realidade de milhões que já cortaram gastos ao limite.
Inflação "Controlada"? A Distância Entre o Discurso e a Prateleira
Lula reforçou que a inflação está "totalmente controlada", atribuindo oscilações a ajustes pontuais. No entanto, dados do IBGE mostram que os preços dos alimentos subiram 8,2% nos últimos 12 meses, com itens como cebola e tomate registrando aumentos acima de 40%. Para o consumidor, não há meio ponto percentual que justifique pagar R$ 12 pelo quilo do tomate.
O presidente também minimizou o impacto do dólar alto e dos problemas climáticos — fatores que, segundo analistas citados pela Folha de S. Paulo, são centrais na crise atual. Secas no Sul e enchentes no Nordeste afetaram safras, enquanto a desvalorização do real encarece insumos importados. Nesse contexto, culpar a "exploração" de varejistas ou a falta de "consciência" do consumidor soa como um reducionismo perigoso.
Otimismo vs. Ação: O que Faltou no Discurso de Lula?
Apesar do tom esperançoso — "o Brasil vai continuar gerando emprego" —, faltou ao presidente apresentar um plano claro para enfrentar a alta dos preços. Seu apelo ao "processo educacional" parece mais uma estratégia para transferir ao cidadão a responsabilidade que caberia ao Estado em regulamentar mercados, fiscalizar abusos e investir em políticas de estoque e logística.
É emblemático que, ao mesmo tempo em que critica a "extorsão" de setores produtivos, Lula não mencione medidas como redução de impostos sobre a cesta básica, subsídios à agricultura familiar ou acordos com redes varejistas — ações que, em governos anteriores, ajudaram a conter pressões inflacionárias.
Conclusão: O Povo Não Pode Ser o Único a Pagar a Conta
A ideia de que o boicote individual resolverá a inflação é, no mínimo, ingênua. Enquanto o governo atribui à população a missão de "educar" o mercado por meio de suas escolhas, ignora que a alta dos preços é um problema estrutural, não um simples desequilíbrio entre oferta e demanda.
Cobrar "responsabilidade" do cidadão, sem garantir poder de compra ou alternativas acessíveis, é uma forma de lavar as mãos diante de uma crise que exige intervenção estatal. Afinal, como ensinar o povo a "não comprar" o que ele precisa para comer? A resposta, presidente Lula, não está na prateleira do supermercado, mas na mesa de negociações do Palácio do Planalto.
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